Tecendo as minhas, suas e nossas emoções
Sempre acreditei que por detrás de cada sorriso, expressão séria ou deboche há muito mais do que imaginamos ou nos permitimos ver. Eu tenho o costume de entrar numa barca, metrô, reunião ou sala de aula e me perguntar sobre quem são de fato aquelas pessoas que interagem comigo. Dentro de suas representações sociais, bem arrumadas e com paredes invisíveis de proteção, fico pensando sobre as histórias que elas guardam e as razões pelas quais elas reagem de determinada forma ao mundo que se apresenta.
Com o tempo passei a ouvir e a tecer as histórias que me contam, costurando cada uma delas com linhas imaginárias das minhas próprias experiências pessoais. Ouvir passou a ser uma forma de realizar um mergulho nos sentimentos profundos de outras pessoas e entender os motivos que as levam a reagir a determinadas ações. Um berço de aprendizados e também uma forma de rever as minhas pseudo certezas sobre as coisas. Cada dia mais tenho tido mais certeza de que eu tenho muito pouca certeza das coisas.
Por isso, diante do diagnóstico de câncer, a minha primeira vontade foi procurar outras mulheres que tivessem ou que estejam passando pela mesma situação. Eu fiquei receosa no início, será que elas gostariam de remexer as suas próprias dores para ajudar na minha?
Saí da minha zona de conforto e passei a procurar quem poderia compartilhar comigo histórias. Entre terapia comunitária, grupos de apoio, amigas, conhecidas e amigas de amigas, encontrei um mundo incrível de mulheres muito mais fortes do que eu sequer podia supor que existiam.
Eu fiquei encantada com o que eu senti. Mais do que compartilhar, todas me acolheram! Nenhuma me disse que seria fácil, porém se disponibilizaram a estar ao meu lado, mesmo as que não me conheciam. Percebi então, como uma delas me disse, que eu agora pertencia a uma nova tribo, que se une pelo resultado positivo de cada uma e vibra diante de cada pequena vitória.
Na minha cabeça vem a imagem de uma colcha de retalhos, com tantos pedaços diferentes e que juntos fazem uma composição linda, respeitando as diferenças de cada tecido. Cada história que me tem sido contada eu tenho transformado num pedaço de pano diferente e alinhavo com os meus próprios sentimentos.
Nesse caminho de diálogo que eu encontrei não há um padrão. Não há um perfil de mulheres específico atingidas pelo câncer, mas um universo de mulheres que dentro de sua singularidade e construções pessoais lutaram e lutam pela vida, se ressignificando diariamente.
Encontrei mães com filhos recém nascidos, com tumores enormes e metástases, cujo maior medo era de que os filhos nunca a conhecessem. Encontrei mães de filhos pequenos cujos amiguinhos foram as pessoas que contaram aos filhos que a mãe estava doente e afirmaram para a criança que a mãe iria morrer. Encontrei mulheres muito jovens que tiveram que tirar o útero e enfrentar o câncer quando as incertezas da identidade pessoal ainda batiam a sua porta. Encontrei mulheres que não deram tanta importância ao tumor num primeiro momento e que quando se encontraram com a realidade, transformaram a sua luta pela vida em projetos sociais. Encontrei mulheres muito simples, cuja falta de apoio financeiro é o maior agravante para um resultado positivo, mas que não deram um passo atrás no combate a doença. Encontrei pesquisadoras que dissecaram informações variadas sobre o tema. Com elas eu transpus a proteção do desconhecido e me nutri de força para enfrentar os meus próprios medos.
Eu não encontrei mulheres doentes ou com aspecto derrotado. Vi mulheres lindas, com a vida nos olhos, o coração aberto para apoiar outras mulheres e com cicatrizes no corpo e na alma que se transformaram numa ressignificação da vida. Mulheres sábias construídas por suas histórias de vida.
Se necessário for, que nos transformemos em alegres subversivas que estão em constante crescimento, e têm um coração luminoso e calmo. Assim, chega o espírito à superfície do lago.
Que nos recusemos a ser jogadas para cair em um lugar qualquer, mas, em vez disso, vamos planejar e cumprir nossas fugas do que é morbidamente banal, bem como do que é cronicamente vazio ou brutal. Assim, o espírito se ergue em pleno esplendor.
Clarissa Pinkola Estés
Ciranda das Mulheres Sábias, 2007