Segura a minha mão e vamos juntos!
Num mundo tão cheio de pessoas, eu não subestimo nenhum encontro, mesmo aquele aparentemente fugaz. Esse é um dos meus aprendizados de vida! Algo que eu compreendi ainda adolescente quando o pai do meu primo me disse que esse mundo é repleto de almas e que para duas pessoas se encontrarem, há um motivo. Ele me disse que cabia a cada um de nós perceber as razões pelas quais esses caminhos se cruzam.
Isso foi tão importante para mim que eu busco em cada pessoa que passa pela minha vida um sentido ou um aprendizado. Não precisa ser necessariamente bom, porém uma sutil contribuição para as minhas próprias construções sociais e emocionais.
Olho para os caminhos que eu escolhi seguir e vejo um mosaico de histórias, afetos e significados. Todos importantes em sua singularidade e maravilhosos na composição que fizeram na minha alma.
Outro aprendizado, com o tempo, foi se juntando a esse, para mim cada pessoa me oferece o que lhe é possível. Isso não significa mais ou menos afeto ou me contentar com migalhas de dedicação, perpassa mais pela compreensão de que o mosaico de histórias de cada um é diferente e se aquela pessoa possui alguns limites de entrega ou troca é porque há muito mais em seu caminho do que as palavras são capazes de traduzir.
Aprendi então a respeitar os limites pessoais daqueles que interagem comigo. Não falo das minhas expectativas, essas se frustram eventualmente, natural. Contudo, eu fui aprendendo a lidar internamente com o que cada pessoa poderia me abrir do seu universo particular e principalmente aprendi a perdoar e ressignificar os atos constantemente.
Ao descobrir o câncer eu fiz um mapa mental por todo o meu mosaico pessoal de afetos e pensei muito como eu iria lidar com isso. Eu podia escolher me reservar, beneficiada por uma quarentena que deixou a todos isolados em suas próprias casas. Ou eu poderia me abrir a todos, permitindo que compreendessem os desafios que eu estou enfrentando, assim como que cada um, do seu jeito, pudesse trocar comigo experiências, me ensinar algo, compreender a minha momentânea vulnerabilidade diante da vida ou simplesmente segurar a minha mão. Eu escolhi me abrir.
Não é fácil se mostrar e apresentar as fragilidades emocionais. Algumas pessoas me dizem que eu sou corajosa por isso, porém a verdade é que eu só deixei o amor entrar em minha vida das mais diferentes e preciosas formas.
Não houve palavras de pena ao meu redor ou piedade, eu não encontrei a distância de pessoas queridas, ao contrário. Enquanto a espera pelo diagnóstico foi bastante solitária, o momento seguinte veio repleto de cuidado.
Cada pessoa, conhecida ou amigo de um conhecido, me ofereceu apoio de uma maneira diferente. De repente vi rodas de orações se formando, velas sendo acesas. Recebi mensagens repletas de um enorme carinho e fui invadida de memórias de momentos únicos com pessoas singulares. Aprendi sobre a história de pessoas que eu não sabia que haviam ficado doentes, bem como descobri o apoio em pessoas não tão próximas, mas que abriram o seu coração e apoio. De repente senti ao meu lado mãos estendidas com ternura e respeito. Diferentes mãos me dizendo "sigamos juntos".
Doenças como a que eu tenho não permitem ao seu portador um olhar superficial sobre a vida. Elas nos alertam sobre a vida, sobre a morte, sobre as nossas relações com o mundo e com os nossos afetos. Como diria uma pessoa que me acolheu " tudo é impermanente" e dentro dessa visão, reconstruo as minhas pseudo certezas.
Ao me abrir e contar para as pessoas o que está acontecendo, eu me permiti receber uma indescritível onda de afeto, vinda de diferentes lugares e traduzidas em diferentes expressões de apoio. Impossível descrever com palavras o quão poderosa essa rede vem se tornando para a minha cura.
Com carinho recebi a disponibilidade de amigos, que mesmo na quarentena se ofereceram para ir ao médico comigo, ajudar no preparo de comida, ficar comigo no hospital e até a cuidadosa oferta de apoio financeiro. Senti o afeto da ligação diária da amiga de longe, que não pode estar perto, mas está presente em alma. Assim como da amiga de perto, que não me deixa dormir sozinha para eu não pensar besteira. Fui surpreendida com mimos deliciosos e delicadamente selecionados por amigos queridos, que se juntaram para me fazer sorrir e me acompanharam em dias bonitos, repletos de sorrisos. Me emocionei com cada palavra que me foi cuidadosamente dedicada.
Uma amiga, em um depoimento pessoal, me disse que o tratamento do câncer é como subir uma montanha bem alta e difícil, tipo o himalaia. Mas que a subida, apesar de difícil, não seria sozinha e ao chegar ao cume, seria libertador. Adorei!
É difícil subir uma montanha perigosa sozinha, mas com o apoio dos amigos algo muda, parece que a confiança se fortalece, a sensação de segurança se irradia pela alma e o percurso fica muito mais fácil.
Eu respondo a todas as mensagens, ligações e presenças com muita atenção e cuidado. Nada é pouco relevante. Para mim cada pessoa que de alguma forma me estende a mão, mesmo sem saber as palavras "certas" a serem ditas, como algumas me dizem, me trazem uma energia de cura, que eu escuto, recepciono, interiorizo e aprendo.
Dizem que eu sorrio com os olhos, impossível não fazer isso. Se antes essa era a minha forma de me conectar com o que não é dito pelas pessoas, uma vez que os olhos possuem um poder incrível de traduzir emoções que muitas vezes as pessoas tentam não demonstrar, o câncer me permitiu sentir emocionalmente a energia boa, afeto, respeito e apoio dessa grande rede de apoio que me cerca.
Segura a minha mão e vamos juntos!