Reconstrução: muito mais do que uma cirurgia plástica

22/03/2021

Um seio pode ter diferentes representações simbólicas, dependendo da cultura e da relação da pessoa com o próprio corpo. Para cada pessoa a relação com o corpo se formará de maneira diferente, em geral dentro de construções socialmente aceitas, pois acima de tudo o seio é parte do que usualmente conhecemos como corpo.

Alguns homens e mulheres gostam mais ou menos dos seios que possuem, dado o tamanho, o formato ou mesmo os efeitos que o tempo produz. Para isso possuem diversificadas opções que o avanço da medicina estética proporcionou. Com cirurgias e métodos diferenciados, hoje os médicos conseguem ajudar muitas pessoas a se sentirem melhor com o corpo que possuem, a partir da submissão a determinados tratamentos estéticos.

Isso é completamente diferente de uma reconstrução. Por mais que as técnicas sejam parecidas e muitas vezes os médicos também, a pessoa que se submete a uma reconstrução não está buscando se sentir melhor apenas, ela está buscando ter de alguma forma uma parte do seu corpo que foi tirada, mesmo que por meio de uma prótese. Sinto a necessidade de diferenciar as duas situações.

Isso fica muito evidente quando falamos de partes mais visíveis do corpo, como uma perna ou braço, porém a cirurgia de reconstrução de um seio também precisa ser ressignificada.

A primeira reflexão que surge é sobre a realização da cirurgia. Entender que esse tipo de cirurgia não é uma opção ou uma escolha estética faz toda a diferença. Admiro as mulheres que optam por não se submeter a mais cirurgias e assumir a perda do seio, há muita coragem nessa escolha. O tratamento exige muito de quem escolhe realizá-lo e as vezes continuar é muito cansativo. Porém esse não é o meu caso.

Desde que eu descobri que eu perderia meu seio, a calma que eu precisei ter só foi possível porque era acompanhada da esperança de que algo diferente, mas parecido surgisse no lugar. Eu sabia que seria diferente, no entanto, era um diferente, dentro de um modelo que me deixava serena.

Isso não afastou o medo e nem os traumas relacionados à dor da cirurgia anterior, deixando tensos os momentos que antecederam o procedimento cirúrgico. Dessa percepção veio a segunda reflexão, essa cirurgia estava eivada de memórias e histórias vividas ao longo dos últimos oito meses. Não era apenas um procedimento, mas sim um ato simbólico de reconstrução, recheado de todas as sensações e vivências anteriores.

Muitas pessoas chegaram até mim esperando um sorriso enorme e/ou me dizendo que agora estava tudo certo, pois seria o momento da cirurgia plástica. Desde o início aquilo me soou estranho e demorei um pouco a entender esse sentimento de incômodo que se formava dentro de mim. São detalhes, mas que mexeram comigo.

Assim como o meu cabelo, a cirurgia não foi uma opção. Ela era uma esperança, contaminada de todas as memórias dos últimos meses e medos dos mistérios que o futuro apresentaria. Cada consulta, exame ou mesmo a cirurgia não estão relacionadas à estética, mas ao câncer e a tudo o que eu passei. Compreender isso é perceber que há um momento de reflexão interna necessária.

Me impressionei com a reação de compreensão que uma amiga querida, que já passou por diversas cirurgias, quando eu comentei que essa nova sensação de recolhimento estava acontecendo. Ela me olhou nos olhos e disse que não dava para passar por tudo isso e não querer pensar solitariamente sobre os efeitos na alma. Ela me garantiu também que o resultado seria bom. Que alívio!

Não é fácil se ver toda recortada, em especial em partes que você nunca quis alterar. Por outro lado, é interessante pensar que mesmo o estranho momento do pós-operatório, em que tudo está fora do lugar, pode vir a se tornar algo surpreendentemente belo.

Talvez por tudo isso a minha cabeça tenha sido assolada pela idéia de que o passado é história e que o futuro é um mistério. Não como uma ruptura de fases, mas como uma compreensão de que mesmo com tudo o que se passou, o futuro pode conter os aprendizados das situações vividas e mesmo assim ser um grande desconhecido sob o qual eu não tenho controle. E que como todo o processo anterior, é preciso calma, para esperar, e é preciso serenidade, para entender as emoções que surgem de cada etapa.

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