Poção mágica que cura

11/10/2020

Faz cinco dias que eu durmo. Um cansaço diferente, nada comparado com o que a gente sente quando esgota as energias do corpo por causa de um exercício físico ou noites sem dormir. O cansaço trazido pela quimioterapia lembra a exaustão, mas aquela que vem de fora para dentro, muito difícil de descrever. Haviam compartilhado comigo essa sensação, me contado sobre o limite do corpo, eu precisei, no entanto, vivenciá-la para compreender.

A semana se iniciou com várias consultas e orientações médicas, com profissionais me explicando todos os efeitos colaterais da quimioterapia. É como uma bula de remédio, se a gente decide ler, passa a ter dúvidas se quer mesmo o remédio. De novo aquela sensação estranha sobre a minha capacidade interna de resiliência apareceu.

Confesso que foi meio estranho ouvir todas as orientações que eram dadas. Apesar do cuidado e sorriso no rosto, aqueles profissionais estavam ali tentando me explicar o desconhecido, já que o meu corpo é que ditaria a forma como resistiria a essa nova luta. Eu estava meio presente e meio voltada aos meus próprios pensamentos, ainda tentando entender os acontecimentos seguintes e sobre os quais eu não teria nenhum controle.

Assim como eu havia imaginado, me confirmaram que o meu cabelo iria cair. Eu, contudo, tinha uma opção. A tecnologia avançou muito e após muitas pesquisas desenvolveram uma touca que abaixa a temperatura do couro cabeludo acerca de menos vinte graus célsius. Essa touca é utilizada durante a sessão de quimioterapia, congelando as células capilares da cabeça e diminuindo em até 50% a queda do cabelo.

Essa técnica não era novidade para mim, contudo eu vinha resistindo muito a adotar ela. Será que eu conseguiria ficar seis horas e meia com a cabeça sendo resfriada significativamente? Valia a pena mais esse esforço físico para tentar ficar com os meus cabelos?

Financeiramente não era impossível de pagar, então resolvi tentar. Me garantiram que eu poderia desistir a qualquer momento, caso não aguentasse. Pensei então, por que não tentar?

A primeira orientação foi cortar o meu cabelo. Não é aconselhável manter o peso natural do cabelo, prender ou colocar na cabeça qualquer coisa que pressione os fios. A partir da escolha pela touca, eu sabia que tudo e qualquer coisa passariam a ser paliativos e todos os cuidados deveriam ser reforçados. Passei então a ter cabelos curtos, algo que lembro de ter tido pela última vez em 2010.

A curiosidade veio com a segunda orientação, essa sim me chamou a atenção. Após anos trabalhando com meio ambiente e proteção à biodiversidade foi a touca que me alertou para algo até então desconhecido para mim, apenas o shampoo e o condicionador vegano, preferencialmente, no pow, são quimicamente aceitos para o cuidado com o cabelo submetido a esse tratamento. Algo a ser refletido.

A parte boa é que eu resisti à touca. No início queimou, eu fiquei com um pouco de dor de cabeça e bastante incomodada, porém logo, logo fui me acostumando. Levei tantas roupas de frio que a profissional que me atendeu disse que eu estava pronta para acampar no Everest, rs.

Por outro lado, acabei precisando ficar mais tempo do que o inicialmente programado para a quimioterapia. Uma reação adversa ao primeiro remédio me fez coçar por inteira e ficar enjoada, porém, como eu estava sendo muito bem cuidada, rapidamente me deram corticoide, diminuíram o fluxo do remédio e eu me recompus. Aproveitei para colocar em dia toda uma temporada de série que eu estava vendo, outro ponto a favor da tecnologia, preenchi meu tempo me distraindo.

A verdade é que eu estava muito tranquila durante todo o procedimento. Minutos antes de entrar na clínica uma outra paciente oncológica me disse que a quimioterapia era a nossa "poção mágica" para a cura. Aquilo de alguma forma mexeu comigo, como se eu tivesse me desviado do foco até aquele momento, pois era ali que eu devia focar e foi isso o que eu fiz. As coisas correram calmamente.

Até o dia seguinte as coisas ficaram calmas, porém com o passar das horas o cansaço começou a aumentar muito! Algo curioso é que o cansaço não era interno, apesar de me derrubar por inteira. Não me sinto emocionalmente cansada ou exausta, acontece de repente, é como se o corpo não se sustentasse e dormir fosse a única opção.

Penso num grande campo de batalha, em que as minhas células boas e rebeldes (como diria uma outra paciente) estão lutando com o remédio e o meu sistema imunológico para sobreviver. A principal arma: minha energia. O campo de batalha: o meu corpo.

Não é simples, eu sabia que não seria. O cansaço vem junto com outros efeitos colaterais, todos esperados. Enquanto passo por isso só penso como eu tenho sorte por vários motivos. Primeiro estou podendo ser tratada, depois não serão muitos protocolos e nem será o pior.

Penso muito na coragem das pessoas que precisam passar por protocolos mais complexos, passei a admirar ainda mais cada uma delas. Há muita coragem para enfrentar esses desafios todos, meu total respeito por aqueles que passam por essa luta.

Também passei a admirar ainda mais aqueles que junto conosco passam pela doença. Há uma doação da outra parte para que a pessoa doente fique bem, um cuidado com sabor de segurança incríveis. Não há nada mais afetuoso do que a sensação de vigília enquanto eu durmo. Pode acontecer o que quer que seja, eu sei que não estou sozinha, que há alguém pensando na minha alimentação e no meu remédio. Esse tipo de doação é incrível, é reconfortante e faz com que eu coloque todas as minhas energias na melhora. Diante disso só me resta ficar boa e retribuir à vida essa nova oportunidade.


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