Eu tento, mas as vezes eu não engano o destino
As vezes eu tento dar a volta no destino, enganar ele de levinho para ver se a minha tentativa funciona. Mas o fato é que tem coisas que simplesmente devem acontecer, inexplicavelmente elas precisam existir e cabe a nós, ao menos a mim, escolher como lidar com os sentimentos que aparecem.
Desde o início da minha atual luta, eu sabia que os meus cabelos não ficariam comigo. Ouvi muita gente me dizendo que essa era uma incerteza e que eu não devia adiantar os fatos, mas no fundo, bem lá no fundo, eu sabia que eu passaria por isso.
Quando os médicos me contaram que a alopecia (perda de cabelo) era esperada, devido ao medicamento utilizado, eu tentei contornar esse fato. Utilizei então a touca inglesa, que deveria me garantir o máximo possível de cabelo. Já na orientação eles haviam me explicado que o uso da touca não era uma garantia, mesmo assim eu resolvi tentar. Apesar de algo me dizer, lá no fundo que não seria tão simples assim.
Utilizei a touca e fiz tudo o que me orientaram, nos mínimos detalhes e isso significou cortar o cabelo, utilizar shampoo vegano, evitar ao máximo lavar e raramente pentear o cabelo. Contudo, quinze dias depois, exatamente como já haviam me relatado outras pacientes oncológicas, o meu cabelo começou a cair. De repente passaram a vir tufos de cabelo na minha mão. Não havia como não passar a mão na cabeça, com tantos cabelos soltos. A sensação é de que o conjunto de cabelos estava sempre incomodando. Assim, eu passava a mão e grandes tufos vinham nela.
Eu tentei aguentar firme, em busca de uma idealizada aparência. Acho que eu tinha medo também, a ausência de cabelo escancara, como me disse um amigo, as dificuldades pelas quais eu estou passando. E como eu não me sinto doente, mas uma pessoa que temporariamente enfrenta um grande desafio, entender uma nova versão de mim mesma me causou um outro desafio, só que agora totalmente emocional.
É interessante que a gente não necessariamente percebe o quanto uma coisa machuca a gente até enfrentá-la. Foi meio assim, quando eu acordei um dia com o cesto de lixo cheio de cabelo e percebi que eu havia chorado todos dias anteriores. Me perguntei então, com todo o carinho que eu tenho por mim mesma, se era isso que eu queria para mim. A resposta, como esperado, foi não.
Cheguei na clínica determinada a não fazer mais a touca, mas a enfermeira me deixou na dúvida. Eu tenho tanto cabelo, já tinha caído cerca de 50%, será que não valia a pena tentar um pouco mais? Nesse momento eu parei com dúvida, pedi a ela um minuto e fui ao banheiro.
Lá me olhei no espelho e pensei que aquela era a pessoa que eu queria que ficasse refletida na imagem, mas não era a pessoa que eu poderia ser no momento. Por mais que eu quisesse a minha aparência, a vida havia me trazido um desafio ainda maior, e o remédio que estão me dando é para salvar a minha vida. Olhei bem nos meus olhos, conversei comigo mesma, aceitei o meu destino e segui com a minha negativa para a touca.
Mas eu não podia e nem iria deixar aquilo atingir a parte mais importante de mim mesma: a minha saúde mental. Por isso, ao sair da quimioterapia, não dei mais chances para as lágrimas e segui para o barbeiro.
O rapaz que me atendeu sempre cuidou das lindas madeixas do meu filho e com muito cuidado e zelo aceitou cuidar do meu novo visual. Não sei bem como agradecer a existência daquela pessoa na minha vida, pois ele foi cuidadosamente cortando o meu cabelo e me falando que tem amigos que passaram pelo mesmo desafio. A cada corte um olhar cúmplice, amigo e por fim a palavra especial de que eu iria ficar bem.
Ao acabar, o elogio: segundo ele a minha cabeça é linda! Ele ficou impressionado como ela é redondinha e bonita, rs. E não é que mesmo? Um linda cabeça redondinha, agora careca e cheia de personalidade.
Tentei enfeitar, colocar mil panos diferentes na minha cabeça, não consegui. Nada parece ficar bem, a minha personalidade transborda nessa careca. Acho que se tem algo que eu possa fazer agora é assumir essa nova versão, com grandes brincos largos, uma maquiagem especial e todo o sorriso do mundo nos lábios e nos olhos.
O destino não me deu trégua nesse assunto e eu não darei para ele. A cada desafio imposto, eu vou retornar com um sorriso. Até que vai chegar o momento que ele vai desistir de implicar comigo e me deixar só sorrir, com os olhos e com a alma, que segundo os meus amigos é de onde vem toda a minha força.