Encarando a cirurgia

20/08/2020

A cirurgia em si não era o que mais me assustava em todo o processo, mas mesmo assim quando chegou a data, uma certa ansiedade tomou conta de mim. Na verdade acho que foi um conjunto de fatores juntos que de repente ajudaram a formar um momentâneo nervosismo.

A doença em si já traz um nível de preocupação grande, cada minuto que passava me dava uma preocupação grande com as metástases, porém tudo o que eu podia fazer até aquele momento, eu estava fazendo, só me restava aguardar a liberação da cirurgia pelo plano de saúde. Foi uma divergência entre os materiais a serem utilizados pelos médicos e a disponibilidade do hospital que me fizeram ter a confirmação da cirurgia em menos de 24 horas antes dela acontecer.

Eu fiquei um pouco tensa com tudo isso, ainda não tinha me organizado direito e precisei arrumar roupas, ligar para pessoas e me preparar emocionalmente para o que estava por vir. Uma pessoa do grupo de apoio que eu participo me orientou muito sobre vários detalhes e me alertou que eu sentiria muita dor, agradeço muito a ela por ter me dado esse alerta, isso ao invés de me abalar, me preparou para o desafio certo.

Fui relativamente tranquila para o hospital, meio aliviada que iriam tirar de mim aquele tumor e assim evitar que o problema se alastrasse. Eu não contava que o hospital não ia querer me deixar ter acompanhante no quarto com a alegação de que o plano de saúde não cobria. Sério?

Me pergunto em que momento nós como sociedade aceitamos imposições como essa. A medicina é fantástica, constantemente ela evolui garantindo às pessoas melhores qualidade de vida, contudo ela é um pacote sistêmico e que trata de pessoas, com corpo e sentimentos. A saúde mental é extremamente importante num momento como esse e o seu fortalecimento é obtido com o apoio daqueles que amamos.

O acompanhante num quarto de hospital pode não ter habilidades hospitalares, mas é de uma potencia enorme quando a pessoa segura a sua mão, olha no seu olho e te dá aquele conforto enorme de que você não está sozinha. E disso eu não abriria mão.

A atendente me olhou com calma, ela percebeu que eu não me mexeria daquela cadeira sem uma solução e me pediu para esperar. Acho que ela viu que eu não iria a lugar nenhum sem a minha segunda força emocional e após um certo período disse que a "visita" poderia subir, mas o hospital não daria nenhum apoio extra com comida ou roupa de cama. Tudo bem por mim, eu daria a minha roupa de cama e comida se fosse preciso para ter a minha mão segura.

Depois eu vim a descobrir que muitas pessoas ficam sozinhas nesses momentos. Isso me remexe por dentro toda vez que eu penso a respeito. Ninguém deveria ter seu corpo remexido sem a presença carinhosa de alguém que gosta.

Já no quarto eu me distraí com tudo e qualquer coisa. Eu li, conversei, brinquei e tentei ver aquele momento como uma oportunidade. Me mantive forte o máximo que foi possível, só derramei lágrimas na sala de cirurgia.

Entrar numa sala de cirurgia, para mim, que não estou acostumada, foi muito real. De repente senti as minhas lágrimas escorrendo, foi importante o cuidado que a equipe médica teve comigo. Ali dentro eles foram de uma gentileza incomensurável, todos que chegaram perto de mim foram cuidadosos e usaram palavras que me acalentaram.

Minha última lembrança foram as minhas lágrimas sendo enxugadas pela anestesista e depois eu acordando. Me perguntaram se eu sonhei, pois eu estava sorrindo. Eu realmente estava, apesar de tudo o que estava acontecendo, acordei com uma sensação tão boa, havia paz na minha mente. A minha sensação era que a corrente de energia que foi formada pelas pessoas que eu amo se conectou comigo de alguma forma durante a cirurgia. A minha sensação foi de que eu não estava sozinha naquele momento, havia muito amor envolvido em todo o processo. Eu só agradeci por essa sensação incrível de acolhimento.

Ao voltar para o quarto toda hora que eu parava, eu pensava no desenho animado "Divertida Mente". Comecei então a pensar porque ele estava tão presente na minha mente e descobri ao lembrar da cena que mais me marcou.

A história se passa dentro das emoções de uma menina, que são personificadas na alegria, na tristeza, no medo, na raiva e no nojinho. Juntas essas emoções tentam ajudar a menina a ficar bem e não perder a sua conectividade com a vida, contudo em dado momento a alegria começa a achar que a tristeza é o grande problema e tenta a todo custo retirar as memórias tristes da menina, na esperança de que ela seja feliz sempre. Ocorre que tudo o que ela tenta é em vão até que chega na cena que mais me marcou no filme. As coisas mudam quando a alegria percebe que ela e a tristeza são igualmente importantes e que elas se complementam em vários momentos. Uma pessoa não é feliz o tempo todo, a nossa vida é composta de momentos e as vezes apenas quando passamos por alguma tristeza é que encontramos a felicidade dos pequenos momentos.

Foi esse sentimento que me invadiu no hospital e que me deu forças. Eu estava sentindo dor, eu sabia que aquilo tudo era apenas o começo, mas havia uma felicidade enorme nas pequenas conquistas e elas vieram literalmente em pequenas coisas.

Veio na felicidade de estar acompanhada nesse momento. Veio no sorriso da enfermeira da noite, que se conectou comigo pelo olhar e cuidou intensamente para eu ficar bem. Veio na terceira tentativa de me colocar sentada, quando eu não passei mal. Veio no resultado de que não havia uma hemorragia interna, como estavam suspeitando. Veio principalmente quando me disseram, antes de eu sair, que os meu linfonodos não estavam comprometidos.

No hospital mesmo eu ganhei algumas importantes batalhas, uma cirurgia de sucesso, um não comprometimento maior do câncer, uma recuperação extremamente dolorida, mas com constante melhora e muito carinho envolvido em cada cuidado que houve comigo. Bem como no desenho, as minhas emoções de medo, tristeza e dor cooperaram intensamento com os momentos seguintes de alegria, me gerando pequenas felicidades e a força necessária para seguir com a recuperação em casa.

Primeira intervenção realizada, no caminho para a cura.

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