A humanização dos profissionais de saúde e o acolhimento que favorece a cura
Existem assuntos que vira e mexe perpassam a nossa vida, seja por uma inclinação pessoal, por uma vivência, um trabalho ou por empatia. Esses temas não dominam as nossas conversas, mas em geral temos uma opinião ou uma percepção sobre como ele nos afeta, bem como sobre gostaríamos que eles fossem tratados.
Um dos temas que eu converso muito com amigos da área de saúde é a humanização dos profissionais e serviços vinculados à saúde. Eu pessoalmente refletia sobre esse assunto muito como leiga, pois sendo filha de médico, os parceiros de trabalho do meu pai naturalmente me tratam de uma forma diferenciada. Além disso, eu nunca havia precisado de um tratamento específico ou de um cuidado tão grande de um número significativo e diverso de profissionais.
Claro que precisei inúmeras vezes ir ao médico e cheguei a dormir em salas de espera aguardando pacientemente ser atendida, muitas vezes por profissionais pouco gentis, com auxiliares igualmente inabilidosos para os desafios alheios. Isso, no entanto, não me incomodava muito, pois os meus desafios eram sanáveis e eu tinha recursos para ultrapassar as barreiras ou obstáculos enfrentados por essas situações.
Nesse recorte sempre relevante apresentar o lugar de fala e o meu é de uma pessoa com acesso à atendimento médico. Essa não é a realidade de milhares de pessoas, que dependem do Sistema Único de Saúde para as menores e as maiores dores e desafios existentes.
Contudo sempre me incomodou muito a normalização de alguns procedimentos e as formas de operação do sistema saúde, seja público ou privado, em que a doença é o principal foco de atenção. Muitas vezes essa forma de atuação invisibiliza a pessoa, não permitindo um olhar integral sobre ela, na qual diversos fatores biopsicossociais afetam a saúde e não apenas os fatores biológicos.
Muitas foram as conversas com amigos sobre as orientações legislativas como a Política Nacional de Humanização ou as orientações existentes para que todo um conjunto de profissionais de saúde se envolvam muito mais com a pessoa que necessita de apoio e não apenas a doença. Também permeavam as nossas conversas a importância do olhar holístico sobre o paciente, uma vez que cada um de nós é composto por um conjunto de singularidades, que apesar de possuir diagnósticos parecidos, possuem efeitos colaterais diferentes dependendo da forma de alimentação, morbidades pré-existentes, condicionamento físico, saúde emocional, dentre outros aspectos como fatores ambientais.
De tudo o que eu havia conversado até hoje, eu não imaginaria que a minha visão, mesmo já tão sensível a esse tema, seria tão impactada sobre a importância dessa humanização, mesmo com tantos privilégios sociais. Desde o primeiro momento em que eu desconfiei que poderia estar doente, percebi também uma mudança expressiva no atendimento que eu estava recebendo e entendi como uma atenção cuidadosa faz toda a diferença nas lutas que empreendemos pela vida.
O primeiro encontro com essa mudança foi nos atendentes. Já nas ligações ou na recepção dos procedimentos, a palavra câncer ao ser citada passou a ser acompanhada de um tratamento cuidadoso. Algo que eu nunca havia experimentado.
Depois veio o olho no olho dos médicos. Eles já não falavam mais olhando um papel ou um computador, ao contrário, passaram a parar tudo o que estavam fazendo para me olhar nos olhos e me dar a segurança de que iriam fazer de tudo para me curar. O mais importante, me assegurando que eu não estava sozinha nessa luta.
Em seguida a enfermeira no hospital, que entendendo o meu desafio se conectou comigo pelo olhar e conseguiu medir o meu grau de dor pelo tipo de sorriso que eu dava a ela. Sem contar a técnica de enfermagem da emergência, que me vendo sofrer de dor, me ajudou carinhosamente a tirar e colocar a minha roupa para um exame. No momento que eu agradeci ela me disse "é o mínimo que eu posso fazer por você, diante da dor que você está sentindo"! Não era o mínimo, era o diferencial! Elas me olharam além da doença, me cuidaram como uma pessoa singular e entenderam a minha dor.
Isso fez ainda mais sentido quando no início da quimioterapia, a profissional que estava me auxiliando na preparação para a touca inglesa, que se propõe a evitar a queda do meu cabelo, me penteou com todo o cuidado e zelo. Eu disse a ela que ficaria mal-acostumada com tanto cuidado e a resposta dela foi "você merece esse carinho, já está passando por tantos desafios". No fundo não me sentia apenas sendo cuidada, mas tratada com dignidade e respeito.
Cada gesto desse me emociona, enchendo os meus olhos de lágrimas felizes. Cada pessoa dessa entrou na minha vida e na minha história de uma forma indescritivelmente bela, me ajudando a enfrentar cada desafio com muito mais coragem. E isso cria em mim um outro significado para a saúde humanizada.
Ficar doente, vulnerável e ter que enfrentar as dores e efeitos colaterais do câncer já é por si só uma luta diária significativa. São pequenos efeitos colaterais que surgem diariamente devido ao tratamento, alguns mais suportáveis outros nem tanto, mas isso tudo fica muito mais fácil quando ao redor existem pessoas atentas não apenas à doença e sim ao ser humano que porta esse desafio, que é repleto de sonhos, medos e dúvidas.
Meu desejo é que essa rede de profissionais que acolhem se amplie significativamente e que toda a rede de promoção da saúde seja guiada por uma escuta qualificada, com práticas integradas de tratamento, observando as singularidades e as ações coletivas diante das doenças. Faz muita diferença a um paciente entender que ele não é mais um número, que a vida dele faz diferença e que o corpo não é apenas uma ferramenta para a vida.
O
cuidado desses profissionais têm me ajudado na minha cura e essa ajuda vai
muito além de cirurgias e medicamentos.